SEGUNDA-FEIRA, DEZEMBRO 12, 2005
A Bíblia de Jerusalém diz que podemos pensar os dias do Gênese não como “dias humanos”, mas como “dias para Deus”, e eles podem ter horas ou anos ou bilhões de anos do homem. O que me diz disso? – A.
Na verdade, a Bíblia de Jerusalém não “diz” isso. Quem “diz” é a nota de rodapé incluída nessa versão (que por sinal é uma boa versão). A nota é que está interpretando o texto bíblico que nada diz sobre “dias de homens” ou “dias de Deus”. O assunto não pode ser assim tão simplificado e devemos levar em conta o hebraico.
Segundo Gerhard F. Hasel, ex-professor de Teologia Bíblica e Antigo Testamento na Andrews University (EUA), a semântica (estudo lingüístico dos significados de palavras, frases, cláusulas, etc.) chama atenção para a questão crucial do significado exato da palavra hebraica yom. Poderia a designação “dia” (yon) em Gênesis 1 ter um significado figurativo? Ou deve ela ser entendida, com base nas normas da semântica, como um dia literal de 24 horas? Algumas pessoas, numa tentativa de evitar maiores problemas com o evolucionismo, aplicam a teoria dos dias-eras ao relato de Gênesis 1 (como faz a nota da BJ). Para elas, os seis dias da Criação são, na verdade, longos períodos de tempo. Será que isso é possível? Antes de mais nada, é preciso deixar claro que o termo yon em Gênesis 1 não se liga a qualquer preposição; não é usado em uma relação construtiva; e não tem nenhum indicador sintático que seria de esperar para um uso extensivo não literal.
Nas Escrituras, a palavra yon invariavelmente significa um período literal de 24 horas, quando precedida por um numeral, o que ocorre 150 vezes no Antigo Testamento. Obviamente, no relato da Criação existe sempre um numeral precedendo aquela palavra – primeiro, segundo, terceiro... sétimo dia; e essa regra para a tradução de yon como um dia literal aplica-se neste caso. O que parece ser significativo, também, é a ênfase dada à seqüência dos numerais 1 a 7, sem qualquer hiato ou interrupção temporal. Esse esquema de sete dias (seis dias de trabalho seguidos por um sétimo dia de repouso) interliga os dias da Criação como dias normais em uma seqüência consecutiva e ininterrupta. O relato da Criação em Gênesis 1 não somente liga cada dia a um numeral seqüencial, como também estabelece as fronteiras do tempo mediante a expressão “tarde e manhã” (versos 5, 8, 13, 19, 31). A frase rítmica “e houve tarde e manhã” provê uma definição para o “dia” da Criação; e se o “dia” da Criação constitui-se de tarde e manhã, é, portanto, literal. O termo hebraico para “tarde” – ‘ereb – abrange toda a parte escura do dia (ver dia/noite em Gên. 1:14). O termo correspondente, “manhã” (em hebraico bqer) representa a parte clara do dia. “Tarde e manhã” é, portanto, uma expressão temporal que define cada dia da Criação como literal. Não pode significar nada mais.
Outra espécie de evidência interna no Antigo Testamento para o significado dos dias resulta de duas passagens sobre o sábado no Pentateuco, que se referem aos dias da Criação. Elas informam ao leitor quanto a como os dias da criação foram compreendidos por Deus. A primeira passagem faz parte do quarto mandamento do Decálogo, e está registrada em Êxodo 20:9-11: “Seis dias trabalharás ... mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus ... porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra ... e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.” Estas palavras foram proferidas por Deus (verso 1). A ligação com a Criação transparece no vocabulário (“sétimo dia”, “céus e terra”, “descansou”, “abençoou”, “santificou”) e no esquema “seis mais um”.
Evidentemente as palavras usadas nos Dez Mandamentos deixam claro que o “dia” da Criação é literal, composto por 24 horas, e demonstram que o ciclo semanal é uma ordenança temporal da Criação. Aliás, como explicar a origem do ciclo semanal, se não pela criação em seis dias literais seguidos do repouso do sétimo dia? A semana não está vinculada a nenhum movimento ou fenômeno astronômico, como os dias (rotação da Terra), os anos (translação) e os meses. A palavra divina, que promulga a santidade do sábado, toma os seis dias da Criação como seqüenciais, cronológicos e literais. Dizer o contrário, portanto, é ir contra o contexto literário de Gênesis e contra o Criador.
Por fim, uma última consideração: a criação da vegetação ocorreu no terceiro dia (ver Gên. 1:11 e 12). Grande parte dessa vegetação parece ter necessitado de insetos para a polinização. Mas os insetos só foram criados no quinto dia (verso 20). Se a sobrevivência desses tipos de plantas, que necessitam de insetos e outros animais para a polinização, dependesse deles para a reprodução, então haveria um sério problema se o “dia” da Criação significasse “era”. Ainda mais: a teoria dos dias-eras exigiria um longo período de iluminação e outro de escuridão para cada uma das supostas épocas. Isto, é claro, seria fatal tanto para as plantas quanto para os animais. Os dias da Criação devem ser entendidos como literais e não como representando longos períodos de tempo. Argumentar em contrário, é forçar o texto bíblico a dizer o que não diz.
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