domingo, 23 de outubro de 2011

Desenterrando um império (parte 3)




No artigo anterior, descrevemos como ocorreu uma importante descoberta na antiga Hattusas, a capital dos hititas. Antigos tratados (alianças) entre reis de importantes povos no Antigo Oriente Médio (AOM) são importantes na compreensão do ambiente político dessa região. 

As principais formas de tratados do AOM eram: (1) de paridade, envolvendo pessoas do mesmo nível social; (2) concessão real, em que o rei concede a seu súdito alguns benefícios mediante serviços fiéis que o agradaram; e (3) suserano-vassalo, em que o rei que tinha total soberania exigia plena submissão e lealdade do vassalo, que em troca recebia proteção e ajuda militar. O tratado envolvendo Ramsés II e Hatusillis III encaixa-se nessa terceira categoria.

A estrutura dos tratados hititas e o Pentateuco

Os tratados imperiais hititas do 14º e 13º séculos a.C. apresentam uma estrutura elaborada em seis seções: título ou preâmbulo, prólogo histórico, estipulações, o depósito do tratado, a invocação das testemunhas, as maldições e as bênçãos.

George Mendenhall, importante erudito do Antigo Testamento no século passado, foi o primeiro a perceber a semelhança entre a estrutura dos tratados hititas e as alianças de Deus e Israel em Êxodo 20-31; 34-35 e Levítico 11-25. Neste caso, a evidência externa sugere que a melhor data para a composição do Pentateuco é por volta da metade do 2º milênio a.C. (Ca. 1400 a.C.).

A seguir, cada uma das partes desta estrutura será mostrada juntamente com o seu correspondente bíblico:

1) Título ou preâmbulo. Identifica o autor (suserano) do tratado. Em Êxodo 20:1, lemos: “Deus falou todas estas palavras...”

2) Prólogo histórico. O suserano declara os seus benefícios em favor do vassalo, demonstrando assim sua misericórdia e poder. Em Êxodo 20:2, Deus Se identifica como “o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”.

3) Estipulações. Esta parte envolve a declaração dos deveres impostos sobre o vassalo como aquele que deve total lealdade ao suserano. A continuação do texto de Êxodo 20, os versos 3-17, apresenta os dez mandamentos como estipulações, e os capítulos seguintes (21-23 e 25-31) registram outras regulamentações mais detalhadas para reger a vida social. Além destas, há também instruções quanto a provisão para a casa (tabernáculo) do Suserano (Êx 35). 

4) Depósito do tratado. O documento deveria ser bem guardado para ser lido novamente em outras ocasiões. A “Arca da Aliança” era assim chamada por conter em seu interior as estipulações de Deus para Seu povo (Êx 25:16).

5) Testemunhas. Os deuses das nações envolvidas eram invocados como testemunhas daquilo que havia sido dito. Há também o caso de elementos da natureza como pedras, vento, sol, lua e estrelas que eram tidos como testemunhas em algumas ocasiões. O correspondente bíblico desta porção parece ser Êxodo 24:4-8, onde Moisés levanta um altar com 12 pedras, representando as 12 tribos de Israel, para cumprir o papel de testemunhas mudas.

6) Bênçãos e maldições. Isto é, aquilo que o suserano faria caso seu vassalo fosse fiel ou não. Em Levítico 26, temos referências a bênçãos (pela obediência) e maldições (pela desobediência).

A evidência dessa estrutura em outras partes do Pentateuco

Essa mesma estrutura pode ser encontrada em outros lugares do Antigo Testamento. Em Deuteronômio 1:1-5, por exemplo, temos o título ou preâmbulo, e o prólogo histórico em 1:6-3:29. Logo após, então, temos as estipulações: (1) os dez mandamentos (5:7:21); (2) outras ordenanças mais extensas (6-11); e (3) regulamentações mais específicas (12-26). O documento da aliança sendo depositado no Santuário (31:9-13). Os céus e a terra sendo chamados de testemunhas (31:28) e, finalmente, as bênçãos (28:1-14) e as maldições (28:15-68) encerrando o livro.

Avaliação da evidência 

A composição do Pentateuco é situada por alguns como tendo ocorrido no período do cativeiro babilônico (Ca. 600 a.C.), ou no período persa (Ca. 500 a.C.), ou até no período grego (Ca. 300 a.C.). O problema com esse tipo de argumentação é que a estrutura das alianças da metade do 1º milênio a.C. sofreu drásticas modificações. No período assírio (Ca. 700 a.C.), por exemplo, o tratado suserano-vassalo era composto de quatro partes na seguinte ordem: preâmbulo, testemunhas, estipulações e maldições. 

Uma vez que as alianças do Pentateuco possuem a mesma estrutura dos textos hititas do 14º e 13º século a.C., parece mais razoável aceitarmos que a data da composição do texto bíblico seja a mesma de tais tratados e não depois, como os críticos afirmam. 

Luiz Gustavo Assis é formado em Teologia e atua como Capelão no Colégio Adventista de Esteio, RS.

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