O papirólogo Carsten Peter Thiede e o jornalista Matthew D´Ancona publicaram o livro: “Testemunha Ocular de Jesus, Novas Provas em Manuscritos sobre a Origem dos Evangelhos” (1).
Se, como mostra a papirologia, o Evangelho de Marcos foi escrito antes do ano 50 e o Evangelho de Mateus pelo ano 60, é extremamente interessante procurar encontrar nos próprios textos do Novo Testamento indícios que possibilitem confirmar estas descobertas da papirologia e estabelecer novas datas para os escritos do Novo Testamento.
Atualmente essas descobertas já não fazem parte do campo das hipóteses, mas das verdades cientificamente provadas. Segundo um cálculo das probabilidades realizado pelo professor Dou, não existe praticamente outras possibilidades que a da identificação de 7Q5 (foto à esquerda) com um fragmento de Mc 6,52-53 (2).
Na revista “Terra Santa” (3), no que concerne à dupla obra de Lucas, Evangelho e Atos dos Apóstolos, partimos da seguinte hipótese: Lucas escreveu seu Evangelho em Filipos, na Macedônia, durante a segunda e a terceira viagens missionárias do Apóstolo Paulo, entre os anos de 50 e 58. Lucas terminou de escrever os Atos dos Apóstolos em Roma, no ano 63.
Com efeito, considerando-se, nos Atos dos Apóstolos, as passagens nas quais Lucas emprega a primeira pessoa do plural (as passagens em “nós” – chamadas Wirstüke, em alemão), é possível constatar que este evangelista e autor dos Atos dos Apóstolos chegou com Paulo em Filipos, na Macedônia, no ano 50 (cf. Atos 15,10), e que ali permaneceu até o ano 58. Com efeito, foi sem a companhia de Lucas que Paulo prosseguiu sua viagem em companhia de Timóteo e de Silas. Paulo evangelizaria Tessalônica, Atenas e Corinto. A Primeira Carta aos Tessalonicenses (1Tes) foi escrita de Corinto, no fim do ano 50 (4).
É somente no fim da terceira viagem missionária, no ano 58, que Lucas deixará definitivamente Filipos. Com outros delegados, ele tem o encargo de levar a Jerusalém o fruto da coleta organizada entre a gentilidade em benefício da Igreja-Mãe de Jerusalém (At. 20,5-6).
A Segunda Carta aos Coríntios (em um bilhete inserido na carta) fala desta coleta e do “irmão” “delegado” do qual “todas as Igrejas cantam o louvor com relação ao Evangelho” (cf. 2Cor. 8,18-20). Em Paulo, o Evangelho (to euanggélion) não designa ordinariamente um evangelho escrito, mas a pregação cristã. Contudo, nesta passagem a palavra parece conotar mais do que a simples pregação cristã, mas já um escrito, no caso, o Evangelho de Lucas, lido em todas as Igrejas. Sublinho “todas”, pois somente estando ele escrito é que a louvação a este Evangelho podia ser tão universal. Parece-me que apenas Lucas pode ser este companheiro muito especial, que é também chamado “irmão”, no fim dos versículos citados (v. 22) (5).
Lucas, tendo terminado de escrever seu Evangelho antes do ano 58, em Filipos, como supomos, pôde também terminar de escrever os Atos dos Apóstolos em Roma, antes do fim dos dois anos de cativeiro do Apóstolo Paulo (ano 63).
Quanto ao Evangelho de Marcos, é bastante fácil de perceber, também nos Atos dos Apóstolos, o momento mais provável da sua composição. O jovem Marcos não acompanha Paulo à Panfília e à Pisídia, por ocasião da primeira viagem missionária. Ele volta à casa de sua mãe, em Jerusalém (cf. At 12,12; 13,13 e 15,38). Seria preciso muita coragem para acompanhar Paulo nas montanhas de Taurus (Turquia atual). Havia 160 km. a percorrer para chegar a Antioquia da Pisídia. Seria necessário enfrentar perigos muito grandes. Lembrando-se, mais tarde, do que tivera de enfrentar por causa do Evangelho, Paulo se referirá a esses grandes perigos dos rios, perigos de bandidos (2Cor 11,26). A primeira viagem missionária data do ano 46. Seria naquele ano, depois de uma breve visita à sua mãe, em Jerusalém, que Marcos teria partido para Roma? Viagem fácil, de navio, no verão, pelo Mediterrâneo. Assim Marcos teria podido escrever a catequese de Pedro em Roma, antes do Concílio de Jerusalém, ou seja, entre os anos 46 e 49. É possível também que ele tenha chegado a Roma antes, isto é, já no ano 42, depois da libertação milagrosa de Pedro. Está dito em Atos 12, 17, que “Pedro saiu e foi para um outro lugar” (éteron tópon). De dois lugares (éteron), o outro lugar, que não Jerusalém, seria Roma. Teria sido já no ano 42 que Marcos teria ido juntar-se a Pedro em Roma? Em todo caso, a tradição nos diz que Marcos escreveu a catequese de Pedro em Roma (Papias).
Outros exegetas (Carmignac e Tresmontant) descobrem nos Evangelhos um substrato hebraico. Isto não surpreende, pois os Apóstolos permaneceram doze anos em Jerusalém, após a morte de Jesus, antes de precisarem se dispersar, para fugir, como Pedro, à perseguição de Herodes Agripa I (ano 42). Assim, é possível, e mesmo provável, que antes desta dispersão, Marcos, Mateus e João tenham escrito já uma parte dos seus evangelhos em hebraico, donde esses “hyperétai”, “ministros da palavra” mencionados por Lucas (1,1-2). Thiede fala também de Mateus como estenógrafo. Mateus, como escriba hábil, teria apanhado em ditado, no momento em que foram pronunciadas pela própria boca de Jesus, as palavras do Sermão da Montanha (6).
Relendo os escritos do Novo Testamento, particularmente os Atos dos Apóstolos, penso que é permitido lembrar a posição de J.A.T. Robinson que, em 1976, afirmou não ser absurdo pensar que todos os escritos do Novo Testamento teriam sido redigidos antes do ano 70, data da destruição do Templo de Jerusalém. Não há nesses escritos indícios desta imensa catástrofe. Jesus predisse a destruição de Jerusalém da mesma maneira que o profeta Jeremias tinha predito sua destruição no tempo do rei Joaquim, antes que esta se realizasse, em 9 do Mês d´Av (agosto) do ano 587. As palavras de Jesus, repetidas por Lucas, são uma profecia, e não a descrição do acontecimento, como fará mais tarde o historiador Flávio Josefo. Vejamos essas palavras de Jesus referidas por Lucas:
“E, como estivesse perto, viu a cidade e chorou sobre ela, dizendo: ‘Ah! Se neste dia também tu conhecesses a mensagem de paz! Mas não, isto está oculto aos teus olhos. Sim, dias virão sobre ti em que teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão, te apertarão de todos os lados. Eles te esmagarão a ti e a teus filhos dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada!’ ” (Lc 19,41-44).
Nestas palavras não há uma descrição concreta, como aquela que seria feita depois da destruição do templo, no ano 70. O texto é um conjunto de reminiscências bíblicas que evocam a destruição de Jerusalém no ano 587.
“Lucas, relatando a destruição de Jerusalém, não menciona o sinal mais característico deste acontecimento, que é a destruição do Templo. Essa destruição foi o maior choque para o judaísmo. Um autor que tivesse vivenciado este choque não poderia transformar a destruição do Templo em uma devastação da cidade de Jerusalém” (7).
Voltamos a esta afirmação de Robinson, de que todos os escritos do Novo Testamento foram redigidos antes do ano 70. Esta tese, que parecia pouco “ortodoxa” a muitos exegetas há algum tempo, e que assim parece a muitos deles, ainda hoje, é verdadeira pelo menos para a maior parte dos escritos do Novo Testamento, particularmente para os livros de Mateus e de Marcos (cf. Thiede e a papirologia), a dupla obra de Lucas (Evangelho e Atos). Prosseguindo nosso trabalho, apresentaremos brevemente os outros escritos do Novo Testamento.
Para as 13 Epístolas de São Paulo, particularmente para as Epístolas Pastorais, que são as mais discutidas, temos o simpósio internacional, na Universidade de Eichstät, na Alemanha, no mês de outubro de 1991. Este simpósio é mencionado num artigo de Dom João Evangelista Terra, S.J.:
“Thiede propôs uma identificação mais espetacular ainda do fragmento maior e melhor conservado da gruta 7, o 7Q4, como um versículo da Primeira Carta de São Paulo a Timóteo (1Tm 3,16; 4,1.3). Esta identificação, que O´Callaghan já havia feito, foi então confirmada por especialistas respeitáveis, entre outros Puesch e Riesenfeld. Esta identificação de um manuscrito da Primeira Carta a Timóteo tem efeitos ainda mais explosivos. É o único papiro desta carta. O fato de este papiro datar de antes de 68 (terminus ante quem), numa época em que São Paulo vivia ainda, altera todas as teorias sobre a cronologia das cartas de São Paulo, demonstra o rápido desenvolvimento da hierarquia na Igreja de Jerusalém e pulveriza muitas especulações cerebrais com respeito às Epístolas Pastorais” (8).
A Carta aos Hebreus, que muito provavelmente não foi escrita por Paulo, é, também ela, anterior à destruição do Templo de Jerusalém. O padre Albert Vanhoye, que é o grande especialista nesta Carta (à qual se refere como o Sermão Sacerdotal), constata que o autor deste Sermão se refere à liturgia do Templo como uma realidade sempre atual (Hb 10,1-3) (9). Este Sermão foi, portanto, pronunciado e escrito antes da destruição do Templo de Jerusalém.
No tocante ao Evangelho de João, encontramos também indícios de uma data anterior à destruição do Templo de Jerusalém (9 do mês de Av – agosto - do ano 70) (o mesmo dia e o mesmo mês da destruição do Primeiro Templo, em 587). No capítulo 5, v. 2, João afirma “que há (éstin) (verbo no presente) em Jerusalém uma piscina cujo nome é Bethesda...”. O verbo no presente do indicativo, “há” (10), indica que a cidade de Jerusalém não tinha ainda sido destruída no momento em que João escrevia, e que a piscina de Bethesda continuava lá. É um indício de que o Evangelho de João foi escrito antes do ano 70. Por outro lado, é também provável que os vinte primeiros capítulos deste Evangelho tenham sido escritos antes do ano 64, data do martírio de Pedro em Roma. Seria somente após a morte do seu amigo Pedro que João teria acrescentado o capítulo 21 do seu Evangelho. O martírio de Pedro teria suscitado na memória de João a lembrança desta maravilhosa manifestação do Senhor Ressuscitado perto do Lago de Tiberíades, quando o Senhor profetizou a Pedro o que lhe aconteceria:
“Em verdade, em verdade, te digo: quando eras jovem, tu te cingias e andavas por onde querias; quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te conduzirá aonde não queres”. Disse isso para indicar com que espécie de morte Pedro daria glória a Deus. Tendo falado assim, disse-lhe: ‘Segue-me’ ”(Jo 21,18-19).
Com efeito, Pedro será crucificado em Roma, no Vaticano (Circo de Nero), no ano 64 (11). Pedro pediu o favor de ser crucificado de cabeça para baixo, por se achar indigno de ser crucificado da mesma forma que seu Mestre. Trata-se, aqui, de uma tradição atestada por Orígenes e São Jerônimo.
Quanto às três cartas de São João (1Jo; 2Jo; e 3Jo), parece desnecessário datá-las de fins do século primeiro (anos 95-100), como faz a maior parte dos exegetas, talvez tomando ao pé da letra o título de “presbítero” que o Apóstolo João dá a si mesmo. Esta interpretação é desnecessária. Pedro, não sendo tão idoso, dá também a si mesmo este título de “co-presbítero” (sympresbýteros). Ele se refere, por este título, não à sua idade, mas ao seu ministério de pastor do rebanho de Deus, em união com os padres (presbíteros) (1Pd 5,1-4).
Tendo sido o Evangelho de João, incluído o capítulo 21, escrito mais cedo (antes do ano 65), as três cartas de João podem também ter sido escritas mais cedo. Não sabemos exatamente as datas da permanência de João em Éfeso, na Ásia Menor. Poderia ter ido para lá logo depois da decapitação de Tiago, seu irmão (Tiago Maior), na Páscoa do ano 42; poderia ter voltado para lá depois da lapidação de Tiago, irmão do Senhor, no ano 62, visto que nesses anos de perseguições os Apóstolos devem ter se dispersado. Sabemos que durante os anos da revolta judaica (66-67), os cristãos fugiram de Jerusalém para se refugiar em Pela, na Transjordânia. Em todo caso, há uma tradição bem estabelecida da presença de Maria, a Mãe de Jesus, e de João, em Éfeso. É desta cidade que João teria escrito suas três cartas. É possível que a Primeira Carta de João (1Jo) tenha acompanhado a publicação do Quarto Evangelho, dada a proximidade literária desses dois escritos. As duas outras cartas (2Jo e 3Jo) seriam da mesma época. [Nota do Editor: vale a pena ler neste site a matéria Considerações em torno do Quarto Evangelho].
A Primeira Carta de Pedro (1Pd) foi escrita antes da grande perseguição na qual Pedro daria sua vida. Esta grande perseguição veio depois do incêndio de Roma (18-19 de julho do ano 64). Nero acusará os cristãos de terem incendiado a Cidade. Os cristãos servirão de bode expiatório. As perseguições contra os cristãos, na Primeira Carta de Pedro, não são aquelas que virão após o incêndio de Roma. São perseguições inerentes à existência cristã no meio do paganismo. A maneira de ser dos cristãos no meio do paganismo atraiu o ódio do mundo e todo tipo de contrariedades (1Pd 2,12; 3,13-17).
A carta (1Pd) supõe também a evangelização da Ásia Menor (em torno dos anos 58-60) como realizada por Paulo. Pedro escreveu por intermédio de Silvano. Silvano (Silas) redigiu esta carta a pedido de Pedro (1Pd 5,12). Como conseqüência do que dissemos, esta carta (1Pd) não pode ser anterior ao ano 58, nem posterior a julho do ano 64.
A Carta de São Tiago (Tg). Há três Tiagos, que é preciso diferenciar bem. O autor da nossa carta é Tiago Irmão do Senhor, bem diferente de Tiago, irmão de João, filho de Zebedeu, o primeiro entre os Apóstolos a beber do cálice do Senhor (decapitado por Herodes Agripa I, no ano 42). Este irmão de João é também chamado Tiago Maior. Um terceiro Tiago é Tiago filho de Alfeu, um dos Doze, dito Tiago Menor. Os irmãos do Senhor não haviam crido em Jesus quando de sua vida pública (Jo 7,5). É por uma aparição do Senhor Ressuscitado que Tiago, Irmão do Senhor, autor de nossa epístola, crerá e tornar-se-á Apóstolo (1Cor 15,5-7). Depois da partida de Pedro para Roma, este Tiago tornou-se Bispo de Jerusalém. Era um judeu-cristão piedoso. Rezava de joelhos, todos os dias, no Templo de Jerusalém. Seus joelhos tornaram-se grossos e calejados, o que lhe valeu o apelido de “Joelhos de Camelo”. Sua execução (lapidação) pelo Sumo Sacerdote Anás, no ano 62, como nos é contada pelo historiador Flávio Josefo, em suas Antiguidades Judaicas (20,197-203), revoltou muitos contemporâneos e acentuou a separação entre o Cristianismo e o Judaísmo (cf. Thiede e Matthew d´Ancona, p.p. 75-76).
A carta de São Tiago, por causa de sua teologia e de sua cristologia não tão elaboradas, aparece como anterior às epístolas de São Paulo. Nesta carta não há qualquer referência à evangelização dos gentios nem ao Concílio de Jerusalém (ano 49). Sua doutrina é muito próxima do Sermão da Montanha. A data de sua composição poderia bem situar-se entre os anos 42 e 49. Nessa época, Tiago tinha já assumido, depois de Pedro, a direção da Igreja de Jerusalém.
A Carta de São Judas (Jd). Judas apresenta-se a si mesmo, nesta curta epístola (ela não tem mais que um capítulo, constando de 25 versículos, ao todo), como irmão de Tiago. Portanto, Judas é também irmão do Senhor. Este parentesco lhe viria de Cléofas, irmão de José (esposo de Maria). Maria de Cléofas e Maria Salomé seriam as duas cunhadas de Maria, mãe de Jesus.
Um trecho da carta de São Judas foi retomado por Pedro em sua Segunda Carta (2Pd). Não é necessário falar em pseudonímia com referência à Segunda Carta de Pedro (2Pd). Essa segunda carta foi escrita após a 1Pd, entre os anos 60 e 64. Tendo Judas feito sua carta alguns anos antes da morte (ano 62) de Tiago, seu irmão, Pedro pôde retomá-la em sua segunda carta (2Pd). Pedro sem dúvida achou a carta de Judas muito oportuna para toda a Igreja. A luta conta os falsos doutores e sua imoralidade era um assunto que concernia a todos os cristãos, a toda a Igreja Católica [Nota do editor: católica é uma palavra latina com sentido de Universal]. Judas tinha escrito uma “Epístola Católica [=Universal]”! Pedro torna-a ainda mais “Católica [= Universal]”, se podemos falar desta maneira, ao retomá-la na sua carta (2Pd). Silvano (Silas) foi o redator da 1Pd. Um outro redator intervirá, para redigir a 2Pd e nela inserir, com algumas modificações, a carta de São Judas.
Quanto ao Apocalipse de São João, não é totalmente seguro que tenha sido escrito no ano 95, no tempo do imperador Domiciano, como o afirmam quase todos os exegetas. Uma data anterior ao ano 70 nos parece mais provável. As Duas Testemunhas (as Duas Oliveiras) vestidas de saco, que profetizam durante mil duzentos e sessenta dias, poderiam ser, num discurso enigmático como o do gênero literário do Apocalipse, os Apóstolos Pedro e Paulo, martirizados em Roma, sob o imperador Nero (Ap 11,1-13) . O reinado de Nero terminou no ano 68. Segundo quase todos os exegetas, é a Nero que corresponde o número 666 da Besta (Ap 13,18; 15,2) . Escrito um pouco antes da destruição de Jerusalém, o Apocalipse de São João torna-se ainda mais atual. Em todo caso, no ano 70, estando Nero já morto e os Apóstolos Pedro e Paulo martirizados nos anos 64 e 67, havia já os principais acontecimentos históricos que possibilitariam a composição do livro do Apocalipse. [Nota do Editor: a interpretação do autor é preterista. A proposta historicista reconhece os elementos históricos que colaboraram na escrita e linguagem do Apocalipse de João, mas propõe outra visão acerca do cumprimento dos símbolos. Entenda mais lendo a nota explicativa: leia aqui ou aqui ].
Ao investigar novas datas para os 27 livros do Novo Testamento, constatamos que todos podem ter sido escritos cedo. Os autores destes escritos são Testemunhas Oculares (cf. o título do livro de Thiede e Matthew d´Ancona). “Aquilo que vimos com nossos olhos, aquilo que nossas mãos apalparam do Verbo da Vida, nós vo-lo anunciamos”, como escreveu João, na sua Primeira Carta (cf. 1Jo 1,1-4). Estas testemunhas oculares nos põem em contato com o Cristo, o Verbo Encarnado, um de nós por sua humanidade, e Filho de Deus, por sua divindade. O mesmo Jesus Cristo é consubstancial ao Pai, segundo a natureza divina, e consubstancial a nós, segundo a natureza humana, como dirá mais tarde o Concílio de Constantinopla (ano 451). Os Evangelhos são históricos. Nenhuma gnose. Temos aqui uma maneira de nos opormos ao “Código da Vinci” e a todos aqueles que querem deixar entender que “os escritos do Novo Testamento não são mais que abordagem distante e duvidosa da realidade histórica da vida de Jesus” (excerto de uma carta que o Pe. Albert Vanhoye, S.J., atualmente Cardeal Vanhoye, escreveu ao autor em 22 de junho de 2003). A frase completa do Pe. Vanhoye, é:
“Mina-se, desta maneira, a fé dos cristãos, pretendendo-se que esses escritos do Novo Testamento não sejam mais que uma abordagem distante e duvidosa da realidade histórica da vida de Jesus”.
Esta frase nos convida a refletir e a fazer nosso ato de fé, com a graça de Deus, na Verdade do Verbo Encarnado, que se prolonga nas Sagradas Escrituras.
É tempo de abandonar esse pré-julgamento de que o Novo Testamento teria sido escrito muito tarde, segundo uma concepção bultmaniana que tem suas raízes na “gnose”, “no nome enganador”, como completaria Santo Irineu. Sim, tudo pode ter sido escrito cedo, como a papirologia tem demonstrado (O´Callaghan e Carsten Peter Thiede). Lendo os escritos do Novo Testamento, entramos em contato, pela fé, com o Verbo Encarnado tal como foi experimentado pelos Apóstolos, que nos transmitiram a Verdade, que é Jesus Cristo (12). O muro de separação entre o Cristo da Fé e o Jesus da História (Jesus Histórico) está ruindo.
A fé exige a realidade do acontecimento, de Joseph Ratzinger:
“A opinião de que a fé, como tal, não conhece absolutamente nada dos fatos históricos e deve deixar tudo aos historiadores, é da gnose: esta opinião desencarna a fé e a reduz a uma simples idéia. Para a fé que se apóia na Bíblia, a realidade do acontecimento é, ao contrário, precisamente exigência constitutiva. Um Deus que não pode intervir na História nem se mostrar nela, não é o Deus da Bíblia”. (Extraído do discurso do Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, por ocasião do centenário de fundação da Pontifícia Comissão Bíblica [30 dias, no 6, 2003, p. 60], atual Papa Bento XVI).
Agradeço ao Sr. Cardeal Albert Vanhoye, S.J., por me haver encorajado nesta “obra muito útil”, como ele me escreveu, “reagindo contra os excessos da exegese histórico-crítica, que na realidade se deixou levar por um apriorismo acrítico, segundo o qual convém estabelecer datas as mais tardias possíveis (e para além!) para todos os escritos do Novo Testamento” (carta de 22 de junho de 2003).
Notas de referências
1. Carsten Peter Thiede e Matthew D´Ancona, Testemunha Ocular de Jesus, Imago, Rio de Janeiro, 1999. Tradução para o Português de Laura Rumchinsky, pp. 229. Título original: Eyewitness to Jesus, Doubleday, London, 1996. E anteriormente, Carsten P. Thiede: “Qumran e i Vangeli, I manuscriti della grotta 7 e la nascita del Nuovo Testamento”, Massimo, Milano, 1996. “Qumran e os Evangelhos, Os Manuscritos da Gruta 7 e o Nascimento do Novo Testamento”, Massimo, Milâo, 1996.
2. Numa longa e interessante entrevista do Pe. O´Callaghan a Germán Mackenzie Gonzáles, na revista “Vida y Espiritualidad”, VE, maio-agosto de 1995, ano 11, o Pe. José O´Callaghan se refere a um cálculo de probabilidade feito pelo professor Dou. A probabilidade de identificação de 7Q5 com Mc 6,52-53 é da ordem de 36 bilhões (36.000.000.000). Atualmente, os papirólogos concordam em reconhecer a descoberta de O´Callaghan, e em identificar 7Q5 com um fragmento do Evangelho de Marcos. Herbert Hunger, diretor da coleção de papiros da Biblioteca Nacional da Áustria, declara: “Não falo como teólogo nem como biblista, falo como cientista. Digo que O´Callaghan tem razão”. Um grande papirólogo, C.H. Roberts, havia já datado como do ano 50 7Q5, sem, contudo, conseguir identificá-lo.
3. Terra Santa, julho-agosto de 1999, “Datas dos Escritos do Novo Testamento”, p.p. 179-80.
4. Cronologia estabelecida a partir de uma inscrição descoberta em Delfos, que menciona a 26ª aclamação do imperador Cláudio e o procônsul Galião. Ela corresponde ao comparecimento de Paulo diante do procônsul Galião em Corinto, na primavera do ano 52. Paulo permaneceu um ano e seis meses em Corinto (cf. At 18,11-18 e o Pe. Stanislas Lyonnet, S.J., Annotationes in priorem epistolam ad Corínthios, Pontificium Institutum Biblicum, Romae, 1965-1966, p. 5. (Anotações sobre a Primeira Carta aos Coríntios. Pontifício Instituto Bíblico, Roma, 1965-1966, p. 5).
5. A Bíblia de Jerusalém, numa nota de rodapé escreveu “talvez Lucas”, como companheiro de Paulo, quando se trata quase com certeza de Lucas. Foi ele quem acompanhou Paulo, quando este entrou na Europa por ocasião da segunda viagem missionária, e quem o acompanharia até o fim da terceira viagem. É quase impossível encontrar um outro companheiro que esteja ligado assim ao evangelho anunciado (ou já escrito?).
Um contato literário entre Lc 10,40 e 1Cor 7,35, poderia ser um indício favorável à redação do Evangelho de Lucas antes da festa da Páscoa do ano 57 (data da 1Cor). Paulo descreve a virgem como aquela que “permanece junto ao Senhor sem distrações” (aperispástôs), retomando o vocabulário de Lucas, que apresenta Marta como aquela que está distraída (periespãto) por muitos serviços (Lc 10,40). Cf. Stanislas Lyonnet, S.J., Annotaniones in priorem epistolam ad Corinthios, p. 164.
Como transparece na carta de Paulo aos Filipenses (Fl), há uma grande amizade entre Paulo e a comunidade de Filipos. Por trás desta amizade, é quase certo estar esse irmão-companheiro que acompanhava Paulo quando este chegou a Filipos com Timóteo e Silas, no ano 50. Há também Lídia, em Filipos. esta Lídia que “obrigou os missionários a permanecer em sua casa” (cf. At 16,15).
Na carta aos Filipenses (Fl 4,2-3), encontramos ainda um outro indício da permanência de Lucas nesta Igreja de Filipos. Paulo exorta Evódia e Síntique “a viver em boa inteligência no Senhor”. E acrescenta: “e a ti, Sínzigo, fiel ‘companheiro’, peço-te que lhes prestes auxílio”. Os comentários bíblicos dão a etimologia desses nomes: Evódia (bom caminho); Síntique (encontro); Sínzigo (sob o mesmo jugo, colega, companheiro). A TOB observa que “Paulo parece sublinhar com um sorriso o contraste entre os nomes Evódia e Síntique e sua conduta”, mas ignora tudo sobre as pessoas citadas nos versículos 2 e 3. Contudo, no contexto de nosso trabalho, é provável que Sínzigo seja Lucas, o fiel ‘companheiro’ de Paulo, verdadeiro amigo de Paulo, e que recebe este apelido que o caracteriza, apelido que toda a comunidade de Filipos podia decifrar facilmente, se é que Lucas já não era conhecido por esta alcunha familiar e afetuosa. É bom lembrar toda a delicadeza que Lucas manifesta com relação às mulheres, o que transparece particularmente no seu Evangelho. Paulo soube valorizar aqui, este carisma de Lucas, para a reconciliação daquelas duas mulheres.
Para as novas traduções e comentários do Novo Testamento, é lícito esperar que estas datas dos escritos do Novo Testamento sejam revistas a partir dos progressos da papirologia. Por que pensar que Lucas, que sofreu com Paulo o naufrágio na Ilha de Malta, iria publicar os Atos somente 20 ou 30 anos mais tarde, relatando em detalhes o que havia ocorrido? Não existe jornalista com esta maneira de proceder.
6. Terra, D. João Evangelista, S.J.: “Papiro 7Q5 de Qumran e a Nova Datação dos Evangelhos, Atualização, Belo Horizonte, No 265, jan./fev. 1997.
7. Hans-Joachim Schulz, Die Apostoliche Herkunft, Questiones Disputatae, 1993. Citação de D. João Evangelista Terra, S.J., op. cit., pp 20-21.
8. D. João Evangelista Terra se refere a este simpósio internacional de Eichstätt de 1991, op. cit. p.p. 10-11. Os atos foram publicados por B. Mayer (org). Christentum und Christlichen in Qumran? Eischsttäter Studien 32, Regensburg, 1992.
9. Introdução à Epístola aos Hebreus, TOB, p. 671. O Pe. Albert Vanhoye traduziu e fez as notas de Hebreus para a TOB. Recomendamos, do mesmo autor, o estudo: “A Mensagem da Epístola aos Hebreus”, Ed. Paulinas, São Paulo, 1983., Coleção Cadernos Bíblicos, pp. 85. Este livro é um resumo da tese de doutorado do Pe. Vanhoye. Infelizmente a edição brasileira está esgotada
10. A Bíblia de Jerusalém e a TOB traduzem corretamente: “existe”, enquanto que a Bíblia do Peregrino (em Português, no Brasil) põe, por um erro, o verbo no imperfeito: “havia en Jerusalém”. O texto original espanhol está no presente: “hay em Jerusalén” (“há em Jerusalém”).
11. Um artigo da revista 30 Dias, baseado em livros apócrifos, situa no ano 64 o martírio de Pedro em Roma. Paulo, sendo cidadão romano, seria martirizado um pouco mais tarde, ou seja, no ano 67.
12. Dei Verbum, no 19. Paulo VI interveio no Concílio, para afirmar, sem hesitação, a historicidade dos quatro Evangelhos.
O Pe. Paul-André Hébert, S.J., 70 anos, é missionário no Nordeste do Brasil desde 1963. Foi professor de Novo Testamento no Seminário Maior de Olinda e Recife de 1992 a 1997. Passou o ano de 1998 em estudos em Jerusalém. Trabalhou na Pastoral da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) até 2007. Atualmente é Vigário na Paróquia Cristo Rei em Fortaleza, Ceará e "Ministro" na Residência São Luiz Gonzaga, casa de saúde dos padres jesuítas do nordeste do Brasil.
Pe. Paul-André Hébert, S.J.
Residência São Luiz Gonzaga
Rua Gonçalves Lêdo, 830 - Praia de Iracema
60110-260 - FORTALEZA, CE, BRASIL
E-mail: paulandreh@yahoo.com.br
cite a fonte primária:
http://www.papirologia-nt.com/
cite a fonte secundária:
http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com/
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