domingo, 23 de outubro de 2011

Sir William Ramsay: o ex-cético

SEXTA-FEIRA, ABRIL 20, 2007
Lucas existiu e escreveu o livro de Atos com precisão histórica e geográfica. A primeira sentença pode ser verdadeira, mas a segunda está longe de ser realidade. Isso se deve ao fato de que esse livro foi escrito no II século d.C., ou seja, bem distante dos eventos do cristianismo do século anterior que ele pretendia narrar. 

O principal nome desta visão foi Ferdinand Christian Baur, teólogo da Universidade de Tübingen no século 18. Baseado na filosofia de Hegel (tese, antítese e síntese), ele desenvolveu toda uma estrutura dos primórdios do cristianismo. Para Baur, Pedro representava a ala judaica do cristianismo (tese), Paulo, a gentílica (antítese), Atos, a igreja unida (síntese), algo que só foi possível no II século. Toda essa estrutura do seu pensamento estava fundamentada na Redaktiongeschichte (a história da redação), um movimento de pensamento alemão que afirmava que o livro de Atos e também os evangelhos foram escritos mais de uma perspectiva teológica do que histórica. 




Foi nesse contexto que surgiu a figura de Sir William Ramsay, um adepto de tais idéias que viajou para a Ásia Menor, as terras das viagens missionárias de Paulo, com a intenção de provar os pressupostos de Baur e da Redaktiongeschichte. Porém, todas as suas pesquisas arqueológicas mostraram o contrário. A obra de Lucas é extremamente precisa quando se refere aos costumes, lugares e personagens do I século d.C. Ramsay, ao longo de seus trabalhos, considerou o livro de Atos como autoridade em assuntos como topografia, antiguidades e sociedade da Ásia Menor e como sendo um aliado útil em escavações obscuras e difíceis.[1]

Uma de suas contribuições para a historicidade do livro foram seus estudos sobre a grande fome nos dias do imperador Cláudio (At 11:27-30). O pano de fundo do texto bíblico segundo alguns não é histórico, é improvável e nem corroborado por outras evidências.[2] Ramsay encontrou diversas fontes sugestivas em conformidade com a passagem de Atos. Diversos historiadores mencionam algo sobre a escassez de alimentos nesse período de Roma. Suetônio, historiador romano do II século, menciona uma assiduae sterelitates 
(fome intensa) durante o império de Cláudio (41-54 d.C.). Tácito menciona duas fomes na capital do Império e Eusébio de Cesárea fala de uma fome na Grécia e provavelmente na Ásia Menor.[3] Todas essas informações nos levam a crer que o reinado de Cláudio foi marcado por más colheitas que ocasionaram ausência de alimento em diversas partes do Império. Curiosamente, Atos 12, o capítulo seguinte, contém fatos que acontecerem em 44 d.C. (a perseguição e morte de Herodes Agripa I), ou seja, durante o período referido acima.

Hoje temos um fato bastante irônico. Eruditos do Novo Testamento negam a historicidade de Atos 4 e historiadores da antiguidade consideram as narrativas desse livro como historicamente exatas. B. H. Warmington, professor de História Antiga na Universidade de Bristol, afirmou que “quando se refere a aspectos da lei e o governo romano, os historiadores têm considerado como fontes confiáveis”. Para A. N. Sherwin-White, um dos maiores eruditos em historia romana, “a confirmação da historicidade de Atos é abundante e qualquer tentativa de nega-la é absurda”.[5] 

O escritor com maior número de livros no Novo Testamento é sem dúvida alguma Paulo. Lucas, ao contrario, escreveu apenas dois livros, o evangelho que leva o seu nome e os Acta Apostolorum (Atos dos Apóstolos), mas somente estes dois ocupam mais de 30% do segundo cânon. Na realidade, algumas evidências nos levam a crer que o Evangelho e Atos são na realidade uma única obra, dividida em dois volumes.
 

O que motivou Lucas a escrever sua obra? Logo no prólogo do seu evangelho, ele a justifica (1:1-4). Ele diz que sua “acurada investigação” (v. 3) era destinada para Teófilo. O autor o chama de “excelentíssimo” (kratiste em grego) e ele devia ser alguém muito importante, já que esse termo é usado outras duas vezes, para Félix (23:26) e Festo, e ambos possuíam cargos extremamente importantes na política da época. Não só isso, mas o texto da obra se assemelha muito a dossiês jurídicos do I século. Provavelmente Teófilo tenha sido um advogado que estaria defendendo o apóstolo Paulo perante o júri romano.
 

Em favor dessa opinião, temos três detalhes importantes: 1) Em Lucas 1:3 ele usa a palavra grega akribos
, minucioso em detalhes, tinha de ser algo preciso; 2) a partir de Atos 13 o foco é quase totalmente voltado para Paulo; e 3) o segundo volume da obra termina com Paulo na prisão.

Se Lucas tinha interesse em ser preciso em todos os detalhes históricos e geográficos de sua obra, por que ele não seria também com os assuntos religiosos? Se sua mensagem histórica é digna de crédito, é de se esperar o mesmo sobre as boas-novas da salvação em Cristo Jesus. Quando os "Williams Ramsays" dos tempos modernos, os céticos descrentes da Bíblia, olharem para Ela sem pressupostos negativos, quem sabe chegarão à mesma conclusão que aquele chegou.

Luiz Gustavo Assis é aluno do 4º ano de Teologia na Faculdade Adventista de Teologia, campus Engenheiro Coelho.
Referências:

1. Ramsay, William M. St. Paul: the Traveller and the Roman Citizen
. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1962. p. 8. 
2. Ramsay, p. 48. Ele está citando um autor chamado Schürer, que não acreditava no relato bíblico.
3. Thompson, J. A. The Bible and Archaeology
. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1972. p. 382
4. Bornkamm, Günter. Paulo: Vida e Obra. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p. 16.
5. Yamauchi, Edwin. Las Excavaciones y las Escrituras. Casa Bautista de Publicaciones. 1977. p. 104, 105.

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