Os cristãos, ao longo dos séculos, têm aceitado a Bíblia Sagrada como a Palavra da verdade. Porém, especialmente desde o Iluminismo no século 17, muitos estudiosos afirmam que a Bíblia contém uma variedade de erros – equívocos doutrinários, erros científicos, contradições, discrepâncias relacionadas a nomes e números, bem como linguagem imprecisa. Antes de analisar essa ideia, precisamos compreender qual é a origem da Bíblia. De acordo com o próprio testemunho das Escrituras, “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16). Pedro afirmou que “nenhuma mensagem profética veio da vontade humana” (2Pe 1:21, Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Essa verdade não se limita ao Antigo Testamento, porque os apóstolos consideravam sua mensagem como possuindo autoridade divina. Paulo, por exemplo, escreveu: “Ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram, não como palavra de homens, mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus” (1Ts 2:13, Nova Versão Internacional).
A Bíblia foi dada por inspiração de Deus, mas os escritores bíblicos não foram meramente a pena ou caneta (instrumento de escrita) de Deus, e sim verdadeiros autores. Em outras palavras, eles escreveram os 66 livros da Bíblia usando seu próprio estilo pessoal, linguagem e forma de pensar – mas tudo sob a direção do Espírito Santo. Todos os livros da Bíblia, portanto, carregam as marcas da autoria humana. Podemos considerar isso como “o rosto humano da Bíblia”.
Alguns livros, tais como Reis, Crônicas e o evangelho de Lucas afirmam claramente que foram escritos por meio de pesquisa histórica (1Rs 22:39, 45; 1Cr 29:29; Lc 1:1-4). Alguns escritores bíblicos chegam a citar autores pagãos (At 17:28) e Judas parece se referir a um livro não inspirado (Jd 14, 15).
Existem vários outros elementos desse “rosto humano” da Bíblia:
Linguagem
Ao lidar com declarações bíblicas, precisamos nos lembrar de que os escritores bíblicos frequentemente utilizam linguagem não técnica, comum, do dia a dia, para descrever o que aconteceu. Por exemplo, eles falam sobre nascer do sol (Nm 2:3; Js 19:12) e pôr do sol (Dt 11:30; Dn 6:14), ou seja, utilizavam a linguagem baseada na observação e não uma linguagem científica precisa. Não podemos ler esses textos e concluir que a Bíblia ensina que o Sol gira em torno da Terra. Mesmo cientistas e outros estudiosos usam essa linguagem popular em seu dia a dia. Portanto, imprecisão técnica não significa erro ou mentira.
Recursos literários
Os escritores bíblicos utilizavam também diferentes recursos literários, tais como poesia, parábolas, metáforas, símbolos, etc. Muitos livros bíblicos, especialmente no Antigo Testamento, são narrativas históricas; outros contêm textos jurídicos, ditos de sabedoria ou profecias apocalípticas. Diferentes tipos de materiais exigem diferentes métodos de interpretação; portanto, distinguir esses recursos literários nas Escrituras ajuda a evitar interpretações equivocadas. Não seria correto entender ao pé da letra uma metáfora e dizer que determinado texto bíblico contém um erro.
Costumes antigos
Muitas passagens bíblicas refletem costumes antigos, e conhecê-los pode ser muito útil para interpretar um texto. Por exemplo, na Antiguidade era comum dar diferentes nomes à mesma pessoa. Assim, Esaú também era conhecido como Edom, e Gideão como Jerubaal.
Outro exemplo é que eram utilizados diferentes métodos para contar o período de governo dos reis. Durante muito tempo, aqueles que não acreditavam na Bíblia calculavam a duração de governo dos reis de Israel e Judá e encontravam várias contradições. Até que, em 1943, o estudioso adventista Edwin Thiele conclui sua tese doutoral na Universidade de Chicago e mostrou que as informações bíblicas estão em perfeita harmonia com os métodos de contagem antigos.[1]
A transmissão dos manuscritos bíblicos
É um fato bastante conhecido que todos os manuscritos originais dos autores bíblicos se perderam. Embora os judeus fossem muito cuidadosos ao copiar os manuscritos bíblicos, ocorreram alguns erros de escrita ao longo do processo de transmissão e cópia dos manuscritos. No entanto, esses erros são tão insignificantes que nenhuma pessoa honesta precisa ficar confusa ou entender a Bíblia de maneira errada. Em realidade, a Bíblia é o documento mais bem transmitido e preservado da Antiguidade. Nenhum livro antigo foi tão bem preservado quanto a Bíblia, em que algumas cópias foram produzidas poucos anos depois que o original foi escrito.[2]
Durante o período em que a Bíblia era copiada a mão, surgiram várias discrepâncias entre os manuscritos. Por isso, alguns manuscritos dizem que Davi tomou 700 cavaleiros de Hadadezer, enquanto outros dizem que foram 1.700 (2Sm 8:4). Já outro texto bíblico afirma que foram 7 mil (1Cr 18:3, 4). A origem desse problema é que esses números têm um som muito parecido em hebraico. Quando um escriba ditava o texto para outro, às vezes surgia essa confusão. É importante observarmos, no entanto, que esses erros nunca estão relacionados à mensagem ou às doutrinas da Bíblia, mas apenas a detalhes periféricos, como números e nomes de pessoas.
Algumas dessas discrepâncias possuem explicações perfeitamente satisfatórias; outras podem ter sua origem nos erros dos copistas. Quase todos os supostos “erros” da Bíblia podem ser explicados pelas razões acima.
A Bíblia é confiável
Na Bíblia existem pequenas discrepâncias do ponto de vista técnico de nossos dias, mas isso não significa que ela não seja confiável sobre a história e os fatos que descreve. Não podemos questionar a historicidade de Gênesis capítulos 1 a 11, as histórias dos patriarcas ou os eventos relatados nos livros proféticos ou nos evangelhos. A fé cristã é histórica no sentido de que ela depende essencialmente daquilo que, de fato, aconteceu (veja 1Co 15:12-22).
Os aspectos históricos da Bíblia, portanto, não podem ser separados de seu conteúdo teológico. Em realidade, “remover o aspecto histórico das Escrituras é remover o que demonstra a fidelidade de Deus”, porque Deus atua na história.[3] Jesus Cristo e os apóstolos aceitavam como verdadeiros os eventos históricos registrados no Antigo Testamento, inclusive os relatos sobre Adão e Noé (Mt 19:4, 5; 24:37; At 24:14; Rm 15:4), porque esses e os demais eventos históricos são parte da história da salvação apresentada na Bíblia.
Conclusão
Existem erros na Bíblia? Se “erro” quer dizer que a Bíblia não utiliza a linguagem moderna, científica ou técnica, então podemos dizer que ela contém erros. Mas isso seria impor sobre a Bíblia um conceito estranho a ela e que é irreal até mesmo para o nosso dia a dia. Mas se “erro” significa que a Bíblia ensina mentiras em sua mensagem ou sobre a história humana, a resposta é: “Não, a Bíblia não contém erros.” A Bíblia é a revelação da verdade e vontade de Deus. Muitos dos assim chamados “problemas” da Bíblia não estão com o texto bíblico, mas com o leitor.
Sem dúvida, encontramos declarações desafiadoras e mesmo discrepâncias em detalhes na Bíblia. Mas nenhuma delas interfere no ensino e confiabilidade histórica das Escrituras. Podemos estar certos de que a Bíblia que temos em nossas mãos é a verdade de Deus e que ela pode nos tornar sábios para a salvação.
Frank M. Hasel, Ph.D., é professor de Teologia no Seminário de Bogenhofen, Áustria.
A Bíblia foi dada por inspiração de Deus, mas os escritores bíblicos não foram meramente a pena ou caneta (instrumento de escrita) de Deus, e sim verdadeiros autores. Em outras palavras, eles escreveram os 66 livros da Bíblia usando seu próprio estilo pessoal, linguagem e forma de pensar – mas tudo sob a direção do Espírito Santo. Todos os livros da Bíblia, portanto, carregam as marcas da autoria humana. Podemos considerar isso como “o rosto humano da Bíblia”.
Alguns livros, tais como Reis, Crônicas e o evangelho de Lucas afirmam claramente que foram escritos por meio de pesquisa histórica (1Rs 22:39, 45; 1Cr 29:29; Lc 1:1-4). Alguns escritores bíblicos chegam a citar autores pagãos (At 17:28) e Judas parece se referir a um livro não inspirado (Jd 14, 15).
Existem vários outros elementos desse “rosto humano” da Bíblia:
Linguagem
Ao lidar com declarações bíblicas, precisamos nos lembrar de que os escritores bíblicos frequentemente utilizam linguagem não técnica, comum, do dia a dia, para descrever o que aconteceu. Por exemplo, eles falam sobre nascer do sol (Nm 2:3; Js 19:12) e pôr do sol (Dt 11:30; Dn 6:14), ou seja, utilizavam a linguagem baseada na observação e não uma linguagem científica precisa. Não podemos ler esses textos e concluir que a Bíblia ensina que o Sol gira em torno da Terra. Mesmo cientistas e outros estudiosos usam essa linguagem popular em seu dia a dia. Portanto, imprecisão técnica não significa erro ou mentira.
Recursos literários
Os escritores bíblicos utilizavam também diferentes recursos literários, tais como poesia, parábolas, metáforas, símbolos, etc. Muitos livros bíblicos, especialmente no Antigo Testamento, são narrativas históricas; outros contêm textos jurídicos, ditos de sabedoria ou profecias apocalípticas. Diferentes tipos de materiais exigem diferentes métodos de interpretação; portanto, distinguir esses recursos literários nas Escrituras ajuda a evitar interpretações equivocadas. Não seria correto entender ao pé da letra uma metáfora e dizer que determinado texto bíblico contém um erro.
Costumes antigos
Muitas passagens bíblicas refletem costumes antigos, e conhecê-los pode ser muito útil para interpretar um texto. Por exemplo, na Antiguidade era comum dar diferentes nomes à mesma pessoa. Assim, Esaú também era conhecido como Edom, e Gideão como Jerubaal.
Outro exemplo é que eram utilizados diferentes métodos para contar o período de governo dos reis. Durante muito tempo, aqueles que não acreditavam na Bíblia calculavam a duração de governo dos reis de Israel e Judá e encontravam várias contradições. Até que, em 1943, o estudioso adventista Edwin Thiele conclui sua tese doutoral na Universidade de Chicago e mostrou que as informações bíblicas estão em perfeita harmonia com os métodos de contagem antigos.[1]
A transmissão dos manuscritos bíblicos
É um fato bastante conhecido que todos os manuscritos originais dos autores bíblicos se perderam. Embora os judeus fossem muito cuidadosos ao copiar os manuscritos bíblicos, ocorreram alguns erros de escrita ao longo do processo de transmissão e cópia dos manuscritos. No entanto, esses erros são tão insignificantes que nenhuma pessoa honesta precisa ficar confusa ou entender a Bíblia de maneira errada. Em realidade, a Bíblia é o documento mais bem transmitido e preservado da Antiguidade. Nenhum livro antigo foi tão bem preservado quanto a Bíblia, em que algumas cópias foram produzidas poucos anos depois que o original foi escrito.[2]
Durante o período em que a Bíblia era copiada a mão, surgiram várias discrepâncias entre os manuscritos. Por isso, alguns manuscritos dizem que Davi tomou 700 cavaleiros de Hadadezer, enquanto outros dizem que foram 1.700 (2Sm 8:4). Já outro texto bíblico afirma que foram 7 mil (1Cr 18:3, 4). A origem desse problema é que esses números têm um som muito parecido em hebraico. Quando um escriba ditava o texto para outro, às vezes surgia essa confusão. É importante observarmos, no entanto, que esses erros nunca estão relacionados à mensagem ou às doutrinas da Bíblia, mas apenas a detalhes periféricos, como números e nomes de pessoas.
Algumas dessas discrepâncias possuem explicações perfeitamente satisfatórias; outras podem ter sua origem nos erros dos copistas. Quase todos os supostos “erros” da Bíblia podem ser explicados pelas razões acima.
A Bíblia é confiável
Na Bíblia existem pequenas discrepâncias do ponto de vista técnico de nossos dias, mas isso não significa que ela não seja confiável sobre a história e os fatos que descreve. Não podemos questionar a historicidade de Gênesis capítulos 1 a 11, as histórias dos patriarcas ou os eventos relatados nos livros proféticos ou nos evangelhos. A fé cristã é histórica no sentido de que ela depende essencialmente daquilo que, de fato, aconteceu (veja 1Co 15:12-22).
Os aspectos históricos da Bíblia, portanto, não podem ser separados de seu conteúdo teológico. Em realidade, “remover o aspecto histórico das Escrituras é remover o que demonstra a fidelidade de Deus”, porque Deus atua na história.[3] Jesus Cristo e os apóstolos aceitavam como verdadeiros os eventos históricos registrados no Antigo Testamento, inclusive os relatos sobre Adão e Noé (Mt 19:4, 5; 24:37; At 24:14; Rm 15:4), porque esses e os demais eventos históricos são parte da história da salvação apresentada na Bíblia.
Conclusão
Existem erros na Bíblia? Se “erro” quer dizer que a Bíblia não utiliza a linguagem moderna, científica ou técnica, então podemos dizer que ela contém erros. Mas isso seria impor sobre a Bíblia um conceito estranho a ela e que é irreal até mesmo para o nosso dia a dia. Mas se “erro” significa que a Bíblia ensina mentiras em sua mensagem ou sobre a história humana, a resposta é: “Não, a Bíblia não contém erros.” A Bíblia é a revelação da verdade e vontade de Deus. Muitos dos assim chamados “problemas” da Bíblia não estão com o texto bíblico, mas com o leitor.
Sem dúvida, encontramos declarações desafiadoras e mesmo discrepâncias em detalhes na Bíblia. Mas nenhuma delas interfere no ensino e confiabilidade histórica das Escrituras. Podemos estar certos de que a Bíblia que temos em nossas mãos é a verdade de Deus e que ela pode nos tornar sábios para a salvação.
Frank M. Hasel, Ph.D., é professor de Teologia no Seminário de Bogenhofen, Áustria.
Fonte: Gerhard Pfandl, ed., Interpreting Scripture: Bible Questions and Answers, Biblical Research Institute Studies, v. 2 [Silver Springs, MD: Biblical Research Institute, 2010], p. 33-41.
Traduzido e adaptado por Matheus Cardoso.
Referências:
[1] Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 3ª edição (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1983).
[2] Sobre os manuscritos do Novo Testamento, veja Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1999).
[3] Noel Weeks, The Sufficiency of Scripture (Edimburgo: Banner of Truth, 1988), p. 50.
Referências:
[1] Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 3ª edição (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1983).
[2] Sobre os manuscritos do Novo Testamento, veja Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1999).
[3] Noel Weeks, The Sufficiency of Scripture (Edimburgo: Banner of Truth, 1988), p. 50.
http://pt.scribd.com/doc/3475063/isaias-53
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